segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

O teto


Ao ler o livro "A dama da solidão", de Paula Parisot, me deparei com bons contos, um em especial chamou a minha atenção, pois me faz refletir bastante sobre a possibilidade de observar um novo teto diante de mim mesmo. Me faz ter vontade de afiar o punho, afiar a marreta, derrubar certas paredes e admirar um céu estrelado, deixar-se conduzir pelo sorriso das estrelas que brilham intensamente novos  horizontes!
Compartilho aqui o conto, para os que desconhecem ou desejam conhecê-lo.

(Falling 2004 - Gül Ilgaz - Istanbul Museum of Modern Art

O teto

Marcos entrou em seu quarto, deitou-se na cama sem tirar a roupa. Olhou para o teto, branco, desbotado pelo tempo.
Girou a cabeça para um lado e notou que uma das portas do armário estava entreaberta, permitindo que ele visse roupas da sua mulher.
Voltou a olhar para o teto. Não ouviu nada, nem o desassossegado bater do seu peito. Aquele silêncio lhe dava certa aflição.
Ofegante, não conseguia respirar, sentia-se sufocado por suas recordações.
Olhou para o teto que lentamente baixava sobre ele. Marcos não se moveu, permaneceu prostrado na cama, sem saber por quanto tempo.
O teto continuava baixando. Seu espaço se reduzia.
Ele enfiou o rosto no lençol, na fronha do travesseiro, e tentou aspirar fundo, queria dormir.
À espera do sono que quase nunca vinha, olhava para o teto que continuava a baixar, aproximando-se cada vez mais da sua cabeça, como se fosse prensá-lo contra o chão.
Notou uma imperfeição no teto. Sentou-se na cama. De perto, conseguiu ver uma espécie de furo. Um buraco. Marcos enfiou a ponta, depois o dedo inteiro. Ao tirá-lo arrancou um pedaço do teto.
Ficou em pé na cama e olhou pelo buraquinho. Não viu nada, só breu. Sentou-se novamente na cama. Pensava no buraco que dava para a escuridão.
Levantou-se e deu um soco no teto, e outro soco, o buraco aumentou. Com as mãos Marcos arrancou as bordas do buraco. Ficou na ponta dos pés e enfiou a cabeça pela abertura que fizera.
Viu a mesma coisa que antes. Continuou com a cabeça enfiada ali e sua vista foi se acostumando. Depois de algum tempo distinguiu algo que pareciam pirilampos voando.
Era o céu.
Tirou a cabeça do buraco. Foi buscar uma marreta.
Subiu na cama e começou a bater com a marreta no teto.
A cada marretada via caírem ao chão pedaços de gesso e cimento.
O teto foi todo destruído e o céu entrou inteiro pelo seu quarto.
Marcos deitou-se sobre os destroços e ficou olhando.



(PARISOT, Paula. A dama da solidão: contos. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. (p. 72-73))

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