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quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Resenha do SANGUE NOVO.

Nobres leitores e belas Damas leitoras do Curtindo Linguagens, o livro SANGUE NOVO: 21 poetas baianos do século XXI ganhou mais uma Resenha. O comentário consistente é de autoria do poeta e crítico paulista Silas Correa Leite. Leiam e julguem as palavras do crítico, e ainda, confiram novamente a poesia do SANGUE NOVO, comentem também sobre a razão do existir dessa coletânea da nova poesia baiana.
 
A razão de existir uma revolta humanista
Albert Camus

Feliz é o povo que produz e consome a sua própria cultura. E a Bahia tem história e fama nas loucas criações de todos os tempos em todos os tipos de arte e em todos os estilos, inclusive de vanguarda retumbante. Poesia, então, entre as melhores. Castro Alves que o diga. Para não dizer que não falei de flores, cantos e terras, bahianidades e experimentações, eis a Antologia SANGUE NOVO, seleção, notas e organização editorial do também grande Poeta José Inácio Vieira de Melo, Editora Escrituras, Ano 2011.
E os 21 escolhidos por qualidade e historial lítero-cultural agrega entre outros Alexandre Coutinho, Clarissa Macedo, Fabrício de Queiroz Venâncio, Gibran Sousa, Gildeone dos Santos Oliveira, Saulo Moreira e Vitor Nascimento Sá, mas todos eles poetas aqui e ali experimentadores do oficio do fazer poético nesses nossos novos e tumultuados tempos (estamos no olho do furacão) e dessa mesma geração teflon, esquenta mas não adere. Será a impossível arte um refinamento de conceitos, pensagens (pensamentos-mensagens) e resíduos da tal Geração Coca Cola? O faroeste caboclo pelo jeito é mais pra riba.
O organizador já enreda: “Os poetas têm conduzido o fogo sagrado da linguagem que inaugura o ser(...)” (primeira orelha). Manter a chama acesa. Essa é a idéia-projeto. Searas, trilhas, encruzilhadas, versejadores de blogues e sites, um verdadeiro, localizado e datado tabuleiro poético na essência no território literário dessa arguta bahianidade evocando a vida, o amor à vida, o reconcerto da vida talvez, até porque, viver não é só fazer parte da banda dos contentes... Discordar é preciso. Resistir é preciso. A arte como libertação? Saravá Glauber Rocha! Ave Jorge Amado. “Respeito muito minhas lágrimas”, já Caetaneou o Veloso de Santo Amaro da Purificação...
Mayrant Gallo abre a obra com um magnífico prefácio de dezenove páginas que cirurgicamente arbitra autor por autor, emprestando ao livro um tom histórico que endossa a envergadura desses iniciantes, experimentadores, poetas de SANGUE NOVO como se intitula a bem apropriada e bem sacada coletânea. Antologias desse estilo valem o seu tempo e as asas criacionais de seu povo, seu tempo e lugar.
Delitos incendiados um a um (Bernardo Almeida), sorrisos nos espelhos (Edson Oliveira), versos tragados do universo (Gildeone dos Santos Oliveira), farpas, argilas e outros “mins” de Priscila Fernandes; o “fog” clarifica, a obra se encorpa; antologia e macadame de versos que saltam aos olhos a sensibilidade irônica, crítica, sonhadora, contundente. Sangue Novo dizendo a que veio.  Faz sentido esses tempos tenebrosos como já muito bem cantou Bertold Brecht, quando também dizia que tudo que está perfeito e acabado está podre, e o Sangue Novo ainda abunda, viça, em guarda evoca, atiça e sangra um (esse livro) achadouro contemporâneo. Poesia sangria desatada?
Cada autor participante tem um pequeno currículo/bibliografia de seu trabalho ainda em tão tenra idade, mas, como já dizia o velho sábio Salomão, o maior juiz é o tempo, esse sangue novo com o tempo consagrará quem será mesmo o poeta de alto relevo, quem será o predado, quem usará a veia criativa para destilar o vinho-verbo, o vinho-verso, o sangue novo, o testemunho, o ser de si, o avesso de si, o registro verdadeiro e profundo de almas deslavadas buscando o atiço da vida louca, louca vida.
Sentir a vida. Amar a vida. Experi/Mentar a vida; dizê-la, vivê-la, contestá-la. O fogo da juventude, a força e a loucura santa. Esse Sangue Novo nutre e aponta uma geração. A obra vale o seu peso. O livro valeu a idéia. Além de rocks, raps, grafites e outros barracos, Sangue Novo registra Poesia em fervura. Um salve geral para aqueles que gritam esses novos tempos insanos que, datados poeticamente, fermentam reivindicações, purgações, chorumes e versos cheios de esperança. Sim, porque, afinal, a esperança ainda é, principalmente para os jovens, a inteligência da vida. Sobreviver é sangrar. O absurdo cria a energia dessa arte sobrevivencial, amarrando forças e fazendo sentido para a poesia ser encorajada, editada, veiculada, dizer seu nome, Sangue Novo salpicando de lágrimas, luzes e contundências esse nosso chão.


Silas Correa Leite é Teórico da Educação, Jornalista Comunitário, Poeta e Ficcionista. Publicou os livros Porta-Lapsos (poemas) e Campo de Trigo com Corvos (Contos).

(Resenha publicada também no blog SANGUE NOVO)

domingo, 23 de janeiro de 2011

Resenha

Nobres Senhores leitores e belas Damas leitoras de peitos macios que acompanham o CURTINDO LINGUAGENS, trago para vocês um breve comentário a respeito do último romance publicado pelo escritor baiano João Ubaldo Ribeiro, que completa 70 anos de vida hoje, 23 de Janeiro de 2011. Ubaldo é um dos escritores que fazem parte da minha estante de leitura. O texto que segue é também uma forma de homenagear esse escritor já consagrado da Literatura Brasileira. Que ele possa brindar a todos os seus leitores com muitos contos, crônicas e romances de qualidade, a exemplo dos clássicos e gaviônicos romances Sargento Getúlio e Viva o povo brasileiro, como ele faz com o Albatroz Azul. Vão ao texto, espero que possam apreciar. Caso as linhas que se desdobram abaixo não lhes agradar, peço desculpas e agradeço a estimada paciência de Vossas Excelências.

Saudações.
Do Tabuleiro seco e empoeirado do Sertão, O autor do C. L..
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O voo d’O Albatroz Azul

João Ubaldo Osório Pimentel Ribeiro nasceu na Ilha de Itaparica, Bahia, em 23 de janeiro de 1941, na casa de seu avô materno, à Rua do Canal, número um, filho primogênito de Maria Felipa Osório Pimentel e Manoel Ribeiro. O casal teria mais dois filhos: Sonia Maria e Manoel. Ao completar dois meses de idade, João muda-se com a família para Aracajú, SE, onde passaria a infância.
O mais recente romance de João Ubaldo Ribeiro, O Albatroz Azul (Nova Fronteira, 2009), nasce como um voo profundo à memória, para refletir a existência humana numa determinada cultura. A narrativa, através de um narrador ao estilo pós-moderno que observa todos os fatos e os reconta ao leitor, se passa na Ilha de Itaparica, palco fiel, onde Ubaldo encena muitas de suas narrativas. O escritor, baiano da Ilha de Itaparica, estreou na Literatura com a publicação do romance Setembro não tem sentido (1968) e ganhou destaque no cenário da Moderna Literatura Brasileira com clássicos como Sargento Getúlio (1971), O sorriso do lagarto (1989) e o romance Viva o povo brasileiro (1984), verdadeira saudação a uma gente que, excluída dos compêndios da história, contribui de maneira substancial para a construção do país. João Ubaldo Ribeiro publicou também O feitiço da ilha do Pavão (1997), Diário do Farol (2002), A casa dos budas ditosos (1999) e Miséria grandeza do amor de Benedita (2000), obras que venderam mais de 500 mil exemplares no Brasil, uma quantidade substancial para a dura realidade enfrentada por muitos escritores no mercado editorial brasileiro. O escritor baiano, membro da Academia Brasileira de Letras, recebeu em 2008 o Prêmio Camões, conferido aos maiores escritores de língua portuguesa.
Além de publicar romances, João Ubaldo colabora com jornais do Brasil e do exterior e se dedica ao conto e a crônica, com destaque para livros Vencecavalo e o outro povo (1974) e Um brasileiro em Berlim (1995). O escritor fez voos rápidos também na literatura infanto-juvenil, publicando Vida e paixão de Pandomar, o cruel (1983) e A vingança de Charles Tiburone (1990), além de ter publicações diversas em coletâneas etc. Hoje o autor ocupa, reconhecidamente, lugar de destaque entre os grandes escritores do século XX, como afirmou Wilson Martins, mas também no cenário inicial do século XXI. Seus  livros já foram traduzidos e publicados mundo a fora em espanhol, francês, hebraico, inglês, italiano, alemão e em outras diversas línguas.
Em O Albatroz Azul Ubaldo tenciona o entrelaçamento do “[...] passado, presente e futuro, os três embolados, sem antes nem depois”. (p. 10). Para poder contar a história de Tertuliano Jaburu, um senhor de idade avançada que goza de familiaridade com “[...] os seres, visíveis e invisíveis, que povoam cada estação do dia e da noite [...]”. (p. 10). Envolvido no mistério que é o nascimento do neto, Jaburu acorda certa manhã crente que o final de sua vida se aproxima, antes, porém, ele deve trazer ao mundo seu neto Raymundo Penaforte, nome escolhido pelo próprio Tertuliano, “[...] por motivo relevante, ressonância, composição bem casada”. (p. 30).
Antes de mergulhar na genealogia de Tertuliano Botelho Gomes, seu nome de batismo, o narrador d’O Albatroz Azul conta o fato que incomoda o personagem. O nascimento de seu neto surpreende a todos por ser um acontecimento único, pois “Uma coisa é dizer que, por se dar bem sem se esforçar e tudo parecer lhe cair ao colo, uma pessoa qualquer nasceu de cú prá lua. Coisa diversa e mil vezes superior, cem mil vezes superir, é estar presente a um desses nascimentos”. (p. 50). A concepção de Raymundo Penaforte acontece rigorosamente numa manhã em que a lua ainda estava no céu para contemplar a bunda do bardo, anunciando bons fluidos para a vida da criança.
Após o nascimento do único neto homem, já que Jaburu só legara herdeiros do sexo feminino, o narrador mergulha na genealogia do personagem. Para tanto, traz à baila a história da qual Tertuliano se envergonha até o fim de sua vida, a história de seu pai Juvenal Peixoto do Amaral Viana Botelho Gomes, filho do rico português Nuno Miguel Botelho Gomes. Ao perder a devotada esposa, Nuno ruma para Portugal deixando o filho Juvenal sob a custódia do amigo João Manuel Veiga Peixoto Viera, padrinho do rapaz. Com a morte de João Manuel, sua esposa Antônia Vicência de Matos Pimentel Pacheco Vieira, Iá Cecinha, uma “[...] mulher sabidamente com coragem de mamar em onça e tradição de valentia pelos quatro lados da família, desde o tempo da invasão holandesa” (p. 98), assume a criação de Juvenal com dedicação esmerada.
Iá Cecinha, após a morte do marido João Manuel, assume também a liderança da família e se interessa prontamente em multiplicar seus bens aos herdados por Juvenal, para tal empresa ela apoia o caso que o rapaz mantém com suas duas filhas, Albina e Catarina. Desse triângulo virá ao mundo Tertuliano e seus irmãos. No emaranhado que narra a formação da família de Jaburu, o narrador também deita olhar sobre Nestor Antero da Silva Sacramento, conhecido como mestre alfaiate Nestor Gato Preto, amigo fiel de Tertuliano, Gato Preto “[...] era iniciado e confirmado em artes e ciências ocultas e pertencia a várias irmandades, ordens, confrarias, terreiros, roças, centros, tendas e casas das mais vetustas e conceituadas, não só na Ilha como [...] na própria Bahia, mantendo também notáveis correspondentes no Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo”. (p. 56).
Ao postular o personagem Gato Preto a narrativa se debruça nas heranças que a cultura popular oferece para o processo de construção da sociedade da Ilha, bem como de toda a nação. O envolvimento de Tertuliano com as artes e ciências da cultura popular o conduz até outras figuras abastadas nas relações com os seres visíveis e invisíveis, como pronuncia o narrador. Preocupado com a sorte do neto, que nasceu de cú pra lua, Jaburu começa a encaminhar a vida da criança, escolhendo para padrinho de Raymundo o misterioso Zé Honório e sua esposa Dona Roxa Flor.
Destarte, Tertuliano anuncia aos amigos e ao próprio Zé Honório que sua morte está próxima. Eis o eixo sobre o qual a narrativa é arquitetada, a percepção de que o fim da vida terrena se aproxima diante do nascimento do único herdeiro macho da estirpe de Tertuliano, aquele que poderá perpetuar na terra as práticas visíveis e invisíveis das quais Tertuliano, Gato Preto e Zé Honório são sábios seguidores. O mistério que envolve o personagem na descoberta de um processo de transformação radical de sua existência terrena conduz o olhar do leitor por toda a narrativa d’O Albatroz Azul.
Na obra, a escrita de João Ubaldo Ribeiro exercita a leveza da mão de um escritor, já consagrado, que empreende com o novo romance uma travessia por memórias que perpassaram a construção de sua carreira literária. Assim, a cultura popular e a dimensão da sua linguagem quotidiana, as heranças da miscigenação da sociedade brasileira ensaiada na Ilha de Itaparica servem como alguns dos elementos construtores do romance de Ubaldo.
No desfecho do romance, o singelo e o belo se fundem para que surja diante do leitor a imagem do até então inexistente albatroz azul, “do tamanho do horizonte”. (p. 235). É então que se vislumbra a possibilidade ampliada que a escrita de Ubaldo ganha na possibilidade de transformar-se num albatroz azul que brilha misteriosamente como o horizonte a ser habitado. Entre idas e vindas, diante do processo de autoconhecimento, o personagem Tertuliano Jaburu percebe talvez, na imagem do albatroz azul, a formação de sua sabedoria, por fim reconhecida pela natureza e pela imagem solar no alvorecer da Ilha. Um espaço real e misterioso permeado de enigmas que doravante o criador, a criatura e o leitor serão moradores, desde que ouçam o som das ondas que rebentam desde sempre nas páginas da literatura de João Ubaldo Ribeiro.

terça-feira, 18 de maio de 2010

Resenha

NA PONTA DA FACA.


Coletânea de onze contos, o livro Faca, do escritor cearense Ronaldo Correia de Brito, está na segunda edição pela Cosac Naify (2009). O autor, vencedor do Prêmio São Paulo de Literatura (2009) com o romance Galiléia (ed. Alfaguara, 2008), desenvolve um estilo próprio com narrativas curtas e intensas, que rememoram a decadência de um sertão arcaico.

Com histórias ambientadas numa sociedade patriarcal e de conflitos cortantes, como sugere o título Faca, o escritor dialoga com a narrativa oral e extrai dessa tradição tipicamente nordestina uma paisagem ao mesmo tempo humana e mitológica. Sua linguagem está a serviço do ambiente seco, onde os diálogos são silenciosos e os choques culturais acontecem de forma violenta. Para traduzir a voz taciturna das narrativas, as ilustrações em moldes de xilogravura da artista plástica Tita do Rêgo Silva enriquece ainda mais a obra.

Os textos intensos de paixões, desejos e crimes são narrados por uma voz pós-moderna que assiste todo o dilaceramento de um tempo e de um povo embebido na lei da faca. Desde o primeiro conto, A espera da volante, o livro rememora um sertão literário regionalista, onde o tempo se liquefaz no rodopear do redemunho que funde vida e morte, num desatino existencial severino. O escritor cearense se quer e se constrói universal, revigorando a prosa regionalista não no sentido geográfico, mas que parte de um contexto social e cultural para dialogar com o mundo essencialmente sertão.

No segundo conto que intitula a seleta um grupo de ciganos encontra uma faca centenária e assombrada por uma tragédia familiar, a partir de então se destila a perspectiva temática de Ronaldo Correia de Brito na coletânea. A morte, as relações silenciosas entre familiares, maridos embrutecidos e mulheres que fazem eclodir uma falsa submissão ao poder masculino são figuras recorrentes nas histórias fragmentadas do escritor. A fragmentação surge como um estilo para falar sem dizer, revelando os segredos do texto pelo silêncio tão caro nos diálogos imprimidos por Ronaldo em Faca.

Enquanto alguns contos como Redemunho, O dia em que Otacílio Mendes viu o sol, A escolha, Mentira de amor, Cícera Candoia mantém a disposição estrutural na mesma medida, outros textos como: Faca, O valente Romano e Lua Cambará são desfiados através de múltiplas vozes que, em certos momentos, apenas parecem se repetir dentro do livro. Todos esses aspectos afirmam o estilo do autor, sua prosa em diálogo com a tradição oral nordestina apresenta-se para revigorar o imaginário ambientado no sertão nordestino que enriquece cada vez mais a produção literária brasileira. Desta forma, a literatura cumpre seu papel basilar de ler a existência humana em toda a sua intensidade, de maneira cortante, como a ponta da Faca de Ronaldo Correia de Brito.

BRITO, Ronaldo Correia de. Faca. Posfácio Davi Arrigucci Jr. Ilustração Tita do Rêgo Silva. São Paulo: Cosac Naify, 2009.

segunda-feira, 3 de maio de 2010

Resenha

Depoimentos e memórias: a Literatura baiana 1920-1980

Uma nova edição do livro Literatura baiana 1920-1980 está sendo lançada por Valdomiro Santana numa parceria entre a Editora Casa de palavras e a UEFS, através da colaboração do Programa de Pós-Graduação em Literatura e Diversidade Cultural. A segunda edição, revista e ampliada pelo autor - “natural de Campo Formoso, jornalista, escritor, editor e mestre em Literatura e Diversidade Cultural pela Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS)” (p. 195) –, traz um rico panorama a respeito da produção literária na Bahia durante boa parte do século XX, entre as décadas de 1920 e 1980.
Na orelha do livro, o texto do professor Aleilton Fonseca, coordenador do Programa de Pós-Graduação em Literatura e Diversidade Cultural da UEFS, sintetiza a proposta do livro e a contribuição para o estudo e compreensão do que se produziu e se produz de Literatura na Bahia: “Num tempo de memórias difusas e registros passageiros, este livro é uma contribuição notável pela riqueza das informações, pela força dos testemunhos, pela originalidade da proposta”.

A obra de Valdomiro é composta por depoimentos de escritores que estiveram diretamente envolvidos em movimentos de defesa da produção literária na Bahia, no eixo Salvador-Feira de Santana- Itabuna. Todos contam as experiências vividas em grupos e publicações que fomentavam a literatura e a arte na Bahia. Entre os nomes estão: Jorge Amado, narrando a experiência da Academia dos Rebeldes, movimento de repercussão modernista; Carvalho Filho, que fala a respeito da revista Arco & Flexa; além de Bráulio de Abreu, Vasconcelos Maia, Florisvaldo Matos, José Carlos Capinan, Guido Guerra, Antonio Brasileiro, Ruy Espinheira filho, Getúlio Santana e Nildão, Myriam Fraga, Roberval Pereyr, Washington Queiroz, Juraci Dórea, Iderval Miranda, Antonio Brasileiro e Plínio Aguiar.

Os testemunhos enriquecem o olhar de todos que desejam conhecer um pouco mais a respeito da produção literária na Bahia. Chamam a atenção os depoimentos do poeta Bráulio de Abreu, “modesto funcionário público e alfaiate, que não chegou a concluir o curso primário” (p. 43) e viveu entre escritores que criaram a revista Samba; a fala de Florisvaldo Matos a respeito da poesia e do desinteresse dos meios de comunicação de massa para com a arte; as palavras de Guido Guerra sobre O problema editorial da literatura baiana (p. 95). Getúlio Santana e Nildão explicam o funcionamento da bem-humorada livraria Literarte; Myriam Fraga lança sua fala sobre a Coleção dos Novos, projeto que contribuiu para dar espaço a jovens escritores baianos entre 1980 e 1983.

Nos últimos textos do livro surgem as falas de escritores que participaram de uma confraria de jovens que originou a revista Hera. Em acalorados depoimentos brotam ideias distintas a respeito do significado do grupo que passou a se reunir em Feria de Santana sob a liderança do poeta e professor Antonio Brasileiro em 1972. Outra observação atenta deve ser lançada sob o depoimento de Plínio Aguiar a respeito da produção literária em Itabuna e a sombra benigna do anjo bêbado Firmino Rocha (p. 187).

Literatura baiana 1920-1980 nos embebe de falas diversas, apaixonadas e intensas em histórias, humanidade, arte e poesia, legando-nos a memória de uma Literatura singular que merece uma apreciação maior por parte de toda a sociedade brasileira e, principalmente, dos quatro cantos da Bahia.

SANTANA, Valdomiro. Literatura baiana 1920-1980. 2. ed. rev. amp. Salvador: Editora Casa de Palavras/ Fundação Casa de Jorge Amado – FCJA, 2009; Feira de Santana: Programa de Pós-Graduação em Literatura e Diversidade Cultural – PPGLDC/ Universidade Estadual de Feira de Santana – UEFS.

Por: Gildeone dos Santos Oliveira.

sexta-feira, 30 de abril de 2010

Resenha

O Pêndulo de Euclides”: uma lírica voz do sertão.


Uma prosa lírica com cheiro e sabor de sertão é a definição certa para o romance O Pêndulo de Euclides do ficcionista, poeta, ensaísta e professor da Universidade Estadual de Feira de Santana – UEFS – Aleilton Fonseca, que já publicou poesia e os livros de contos Jaú dos bois e outros contos, O desterro dos mortos e O canto de Alvorada. Além de se destacar como ensaísta, com publicações em revistas, jornais e diversas coletâneas.

A nova obra do escritor, que homenageia o centenário de morte do escritor Euclides da Cunha, segue o caminho de seu antecessor Nhô Guimarães: romance-homenagem a Guimarães Rosa e se mostra como um texto de leveza singular e de intensa relação com o espaço sertanejo.

A narrativa inicia quando o narrador principal da história, um professor, intrigado com uma palestra que ouvira a respeito de Canudos, se questiona: será que Canudos é um tema esgotado? Para tirar a prova dessa questão ele parte em viagem para a cidade de Canudos acompanhado de dois amigos o poeta Alex e o francês Dominique, professor de língua portuguesa nos arredores de Paris e “admirador da nossa cultura” (p. 17). Para contar a aventura dos três amigos, apaixonados pela história de Belo Monte, o livro é dividido em oito partes com diversos capítulos que tecem um caloroso debate sobre o texto e as posições tomadas pelo escritor Euclides da Cunha a respeito da Guerra de Canudos em seu livro Os Sertões.

A viagem pelas veredas do sertão euclidiano é encadeada por uma prosa lírica que une argumentações concisas e bem elaboradas com diálogos intensos em ensaística. Em meio ao colóquio sobre as memórias de Belo Monte, as vozes sertanejas aparecem na lembrança dos Fogos da Guerra e na intensa prosa do forte sertanejo Seu Ozébio. Um homem sábio e astuto em retórica que revela grandes segredos durante a narrativa, confirmando que as heranças da batalha estão vivas e ainda pulsam no sangue de todo povo do sertão mundo, pois “o sertão é um modo de ser, de pensar, de sentir e de viver” (p. 207). Outra grande sacada do texto acontece quando o narrador se depara entrevistando Euclides da Cunha. A união dos fatos: os debates entre os três amigos, as reveladoras conversas com seu Ozébio, o delírio insone, a arguta e nostálgica observação do narrador sobre a paisagem árida do sertão faz o romance de Aleilton despertar a voz lírica do espaço que transita entre o poético e o real, pela voz pendular da memória que estabelece a busca da identidade.

Por fim, O Auto do Belo Monte apresenta “sua missão indelével e incomensurável” (p. 186) no julgamento da Guerra e de seus desdobramentos. Nesse momento a narrativa abre espaço para a voz de personagens surpreendentes. Ao final do texto o narrador (re)descobre suas raízes sertanejas e se ouve novamente a voz do sertão a pendular: “O sertão vai virar cidade e a cidade vai virar sertão” (p. 207). A narrativa se fecha em páginas cheias de cantorias e sabores para abrir-se aos olhares de cada leitor e ratificar que as vozes dos sertões estão a cantar na consciência não só da venerada e “vetusta Senhora” (p.186), mas em cada um de nós apreciadores da história e da literatura, no grande palco chamado de vida.

FONSECA, Aleilton. O Pêndulo de Euclides. Rio de Janeiro. Bertrand Brasil, 2009.

Texto: Gildeone dos Santos Oliveira.